Eduardo Pincigher – Especial para o BlogAuto – Jamais fui convidado a avaliar uma motocicleta que redundasse num veredito tão óbvio. Ela tem uma porção de defeitos técnicos que, em um teste tradicional, desvirtuaria sua compra. Em pleno ano de 2017, você não vai encontrar outra moto com tantos problemas. Mas eu não saberia apontar outro produto no mercado brasileiro de duas rodas que merecesse uma conclusão tão convicta: vá até a loja e… compre. Engula esses defeitos. Garanto que a experiência de andar de Royal Enfield será única, ainda mais quando você tiver que assinar um cheque de menos de R$ 20 mil.
Logo no dia em que fui buscar a Royal Enfield Classic 500, dias atrás, passei na casa do meu pai, Edson, 74, outro amante de motocicletas. Recém-chegada ao Brasil, a marca começava a dar seus primeiros passos na divulgação dos modelos à venda e o Edson, ainda que acompanhasse o noticiário, não havia sido atingido. Sua primeira pergunta foi inevitável:
– Que ano é essa moto? Isso é década de 40 ou 50, né? A restauração tá perfeita! Quem foi o doido que te emprestou uma joia restaurada como essa?
Expliquei sobre a chegada da marca britânica ao Brasil, atualmente produzida na Índia, e que, de modo ainda mais agudo do que Harley-Davidson e Indian, preservava a identidade estilística das motos do período da 2ª Guerra Mundial da forma mais fiel possível. Mostrei a imitação de carburador, a agulha falsa do afogador, a pintura fosca, a caixa de ferramentas escondida na lateral, o pedal de partida (esse funciona)… Conforme eu ia demonstrando o novo brinquedo, o Edson passaria a “viajar” em suas memórias. Emocionado, ele diria algo como “parece com NSU, Jawa… nossa, tive várias motos com essa cara. Desce daí… Minha vez!”
E aqui surgiria a primeira grande virtude “técnica” da Royal Enfield Classic 500. Talvez uma das únicas, diga-se. Pilotei poucas motos na vida que fossem tão dóceis logo no primeiro contato. Isso ficou nítido na primeira arrancada dada pelo Edson: parecia que a moto era dele. Nada de deixar o motor morrer ou queimar embreagem. Tendo um mínimo de noção, tipo um mês de treino numa Honda CG 125, e você já sobe nessa máquina e sai por aí “dono absoluto” do modelo. Como ela é fácil! Embreagem, câmbio, acelerador… tudo é bem “molinho”.
De imediato, calculei que havia um porém nessa estratégia da Royal Enfield: tentar seduzir os motociclistas que viveram a metade do século passado é uma daquelas viagens no tempo deliciosas de provocar. Mas… sendo pragmático, vamos lá. Quantos consumidores nessa faixa etária do Edson ainda se interessam por motos? O público-alvo, logo raciocinei, sou eu. Um motociclista na faixa de 40 a 50 anos que quer dar sua voltinha de moto no final de semana. Mas seu design não “conversa” comigo. Qual o truque?
Não há truque. Você pode não ter pertencido à época da concepção de seu design, mas logo será contaminado por esse visual essencialmente vintage. É sensacional a sensação de conviver com as origens da motocicleta. E funciona! Principalmente quando o vendedor da concessionária te avisa que os preços começam em R$ 18.900 – a Royal Enfield Classic 500, com o charmosíssimo selim único, sustentado por molas, custa R$ 1.000 a mais.
E já que falei do selim. Nunca tinha pilotado uma moto que usasse esse recurso das molas sob o banco. E não é que o conforto ao rodar aumenta consideravelmente? Claro! Como você deixa de depender somente das suspensões para absorver as irregularidades do piso, o resultado final é um altíssimo nível de maciez a quem está pilotando. Some essa característica à docilidade de pilotagem também mencionada e ao bom trabalho das suspensões… e as virtudes técnicas irão se encerrar por aqui.
Daqui pra frente, ela é cheia de “problemas”. Ou peculiaridades, digamos assim. Pra começar: o motor de 1 cilindro e 499 cm3, que rende 27,2 cv de potência, vibra. Mas põe vibração nisso. A 80 km/h, por exemplo, você terá alguma dificuldade em focalizar os carros pelos espelhos retrovisores, de tanto que o motor da bendita Royal Enfield Classic 500 é áspero. As mãos adormecem. Os braços, também. Calculo que seja difícil percorrer mais de 100 km de distância numa Royal sem parar para alongar os braços e eliminar o formigamento das mãos. Para isso, você terá que andar acima de 110 km/h, regime de velocidade em que a vibração diminui um pouco. Mas insisto: ainda será num grau maior do que qualquer moto que você já pilotou.
Com torque disponível já em rotações mais baixas, a boa notícia é que você irá se pendurar na 5ª marcha a 40 ou 45 km/h e não precisará ficar reduzindo todo o tempo. Como não se trata de uma moto veloz, o funcionamento dos freios (discos na frente e atrás) é adequado, não pregando nenhum susto, mesmo em frenagens de emergência.
De resto, ela ainda peca em alguns detalhes, como o bocal do tanque de combustível – não tem chave –, o quadro de instrumentos minimalista (só o velocímetro e olhe lá), o motor ruidoso, a iluminação deficiente para viagens noturnas.
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Mas, conforme já disse lá no início: acostume-se a tudo isso e compre um Royal Enfield Classic 500. Nada que custe R$ 20 mil em duas rodas será tão charmoso como essa motocicleta e te levará tão longe, isto é, a uma viagem no tempo para uns 70 anos atrás.
Galeria Royal Enfield Classic 500
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