A discussão a respeito do alto preço dos carros no Brasil levantada pelo jornalista Joel Leite rendeu. E como. Suas reportagens foram publicadas pela revista Autoesporte e pelo UOL Carros além de replicadas e comentadas por vários blogueiros, jornalistas e leitores. Não era para menos: seja lá por quais razões – que só as montadoras sabem exatamente -, o consumidor brasileiro já há muito tempo paga um preço extremamente injusto por um produto importante, sobretudo num país que não oferece alternativas de transporte coletivo no mínimo decentes.
Estou no setor há dez anos e não me lembro de ver um jornalista especializado ter dito com tanta clareza que há algo de estranho nessa composição de preços que as marcas de carros adotam no Brasil. Já vi abordagens das mais variadas, inclusive algumas minhas como uma matéria na revista Carro há alguns anos em que fiz um paralelo com o “Índice Big Mac” utilizando o Logan. Assim como o famoso lanche também o sedã da Renault/Dacia é vendido em vários mercados do mundo, além de ser produzido em diversas localidades. Não é preciso dizer que o Logan brasileiro é de longe o mais caro do mundo – não lembro agora os números exatos, mas em mercados como França, Romênia, Rússia, Índia, Argentina ou Colômbia o modelo custava o equivalente a pouco menos de R$ 20 mil e aqui, obviamente, beira os R$ 30 mil sem muitas vezes oferecer o mesmo que seus irmãos estrangeiros.
Sem dúvida, o maior mérito das reportagens do Joel foi conscientizar muita gente a respeito desse abuso. Segundo o colega jornalista, foram mais de 700 mil visitas no blog. Multiplique isso pelo boca a boca e mais os leitores de outros sites como o Blogauto e temos um universo bem grande capaz de causar um pouco de embaraço nos executivos e burocratas que determinam essas injustiças. É essa a função do jornalista: revelar fatos importantes e conscientizar o público e esse trabalho é demorado o que significa que o assunto “carros com preço alto” precisa se manter vivo até que produza algum resultado prático, afinal há muita gente hoje pagando valores absurdos por veículos no Brasil e achando isso absolutamente normal. Assumindo financiamentos com dezenas e dezenas de parcelas e pagando na prática três a quatro vezes o valor do bem, sem falar que até lá ele valerá menos que a metade do preço à vista.
O mais curioso em tudo isso é o silêncio do governo e das montadoras. Não vi nenhuma contestação ou vontade de esclarecer essa discrepância nos preços cobrados aqui se comparados a outros países, além do discurso tradicional: “câmbio, insumos, impostos etc”. Não duvido que tudo isso influencie mas é óbvio que há mais coisas aí. Nesta quinta-feira pretendo publicar um artigo no iG Carros que mostra que os valores cobrados pelo modelos Civic e Logan no Brasil são muito mais altos que em países desenvolvidos, nos outros BRICs ou mesmo em nossos parceiros México e Argentina. E detalhe: valores absolutos em dólar.
Mais: quando projetamos quanto representa o valor desses carros no ganho médio de cada pessoa desses países, o chamado “PIB per capita”, o brasileiro é o que mais leva tempo para quitá-lo. Digo isso porque o motivo para produzir tal artigo veio da última coluna publicada pelo jornalista Fernando Calmon.
Assim como Joel Leite, Fernando Calmon é um dos mais respeitados jornalistas do setor e confesso respeito e admiração pelos dois, com longos anos de estrada. Mas ver a coluna de Calmon ontem me surpreendeu. Em vez de contribuir para o debate, o texto do colunista do UOL tentou desqualificar a reportagem de Joel. Calmon disse que é fácil acusar o lucro sendo que existem outros motivos. Também considerou fácil usar México e Argentina como referência, mas citou um exemplo para contestar a matéria do colega que juro não ter entendido: que o Fox na Suíça custa R$ 28 mil contra R$ 38 mil no Brasil. Afinal, não é isso que estamos discutindo? Que o carro no Brasil chega a ser mais caro que na Suíça? O interessante nos exemplos de México e Argentina é o fato de não existir impostos de importação entre eles, o que deixa a comparação mais clara.
Calmon também citou o estudo da Anfavea sobre o custo de produção no Brasil, mas como considerar isento um material de quem justamente está sendo acusada de ganhar muito na atual situação? Já a tese do “Lucro Brasil” defendida por Joel foi taxada de “aloprada”, para se ter uma ideia.
Claro que hoje Joel Leite respondeu: “fácil – e confortável – é reproduzir o discurso da indústria, que culpa o imposto por todas as mazelas do setor”, disse em resposta a Calmon.
Confesso que esperava outra reação de Calmon, um profissional com tamanha bagagem. Talvez outros argumentos para esclarecer esse mistério que faz um carro produzido no Brasil ser exportado e custar metade do preço na Argentina, por exemplo.
Já chamar a tese do colega de aloprada me pareceu inoportuno. A não ser que Calmon se referia ao fato de Joel ser “muito inquieto”, um dos significados do termo, segundo dicionário Houaiss. Se reagir a essa distorção é ser inquieto então a atitude de Joel Leite é de um “aloprado”, mas no bom sentido. E todos nós precisamos virar “aloprados” porque até hoje temos sido passivos demais com esse assunto.